Friday, October 28, 2011

Pobres ricos



















Esta quarta-feira, já de madrugada, os líderes da União Europeia chegaram a um acordo de princípio para evitar a morte prematura do euro, com a insolvência descontrolada da Grécia, a que provavelmente se seguiria igual destino para Portugal e a Irlanda, e ataques cerrado dos mercados às economias de Itália e Espanha, demasiado grandes para serem salvas pela UE.

O enorme suspiro de alívio que percorreu a Europa, incluindo os mercados de capitais, não permitiu que fosse dado o devido destaque a um aspecto que, embora mencionado como normal, simboliza o quanto o mundo mudou nestes últimos anos.

Refiro-me à assumpção de que as economias emergentes, nomeadamente a China e o Brasil, poderiam ajudar a UE a financiar a dívida europeia, estabelecendo-se uma forma de entrarem no Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF). Segundo os relatos da imprensa, o primeiro telefonema que Nicolas Sarkozy realizou após o término da cimeira foi para o seu homólogo Hu Jintao, e o director do FEEF embarcou de seguida para Pequim, onde irá reunir-se com os dirigentes chineses para discutir a participação chinesa no fundo do qual dependerá em boa parte a viabilidade das finanças públicas de economias como a nossa.

Por trás da retórica cordial - Hu Jintao referiu-se à Europa como "a maior economia do mundo" - está um jogo de interesses que enfraquece a posição da UE perante o país mais populoso do mundo, e se há coisa que é certa quanto à China é que nunca hesita em explorar ao máximo qualquer posição negocial vantajosa. Não é difícil perceber que tornando-se a China, e as suas gigantescas reservas de capital, um actor na sustentabilidade financeira da Europa, a probabilidade do Dalai Lama voltar a ser recebido por um líder europeu de primeira linha se reduz consideravelmente.

Quando o tempo e distanciamento permitirem aos historiadores analisar a relevância do momento que vivemos tenho sinceras dúvidas de que esta cimeira seja assinalada pela solução, incompleta e potencialmente instável, a que se chegou para tentar salvar a moeda única europeia. O que será assinalado, isso sim, será o momento em que os líderes do maior bloco comercial e económico do mundo assumiram claramente que a Europa está num caminho de perda, inexorável e inevitável, de poder e riqueza.

Os governantes chineses sabem, tal como os seus congéneres europeus, que uma recessão prolongada no seu principal parceiro comercial pode pôr em causa o crescimento da sua economia, e com este a estabilidade do País, mas ainda assim não deixa de ser extraordinária a forma como a Europa, ainda ontem o membro rico do clube, que há pouco mais de um século atrás dominava e explorava a China a seu bel prazer,  está hoje de mão estendida pedindo a ajuda chinesa, assumindo e aceitando a certeza da supremacia do Reino do Meio no remanescente do Século XXI.

Thursday, October 27, 2011

Life's (not) short and then you die

















Duas coisas prenderam a minha atenção esta manhã: a primeira foi uma notícia do Público de hoje, que revela que a partir do último dia deste mês deveremos ter ultrapassado a barreira dos 7.000 milhões de seres humanos a respirarem o ar deste o planeta, e que Portugal é o terceiro país do Mundo com menor taxa de fecundidade, ou seja nascem cada vez menos portugueses, e se a situação não mudar estaremos condenados a ser um País de velhos, com tudo o que isso implica, incluindo o pormenor não inteiramente despiciendo de não existirem jovens suficientes para sustentar algo que se assemelhe sequer a um Estado Social.

A outra coisa que me chamou a atenção foi, mal cheguei ao escritório, entre o spam característico da revisão matinal do e-mail ter-me surgido um anúncio, com uma simpática rapariga e um rapaz a olharem, muito sorridentes, um para o outro, de um serviço chamado "SecondLove.pt", que começa pelo apelativo headline "à procura de atenção extra?",  com um logotipo que coloca uma forma indefinida de cor branca no meio de dois corações vermelhos, rematado com a assinatura "a vida é curta, tem um second love", explicando ainda no body copy, para quem não tivesse porventura percebido do que se trata "à procura de romance porque em casa tudo virou rotina? Quebre a rotina e seja atrevido! A vida é tão curta....".

Apesar de preferir este anúncio a outros que reclamam uma capacidade infalível de influenciar o tamanho de certas partes da minha anatomia, ou que oferecem fortunas incalculáveis em troca de uma pequena transferência em dólares para uma viúva nigeriana, há algo que me incomoda neste anúncio para além do óbvio, ou seja do uso leviano da pontuação pelos seus autores, e da relativização das poucas coisas que me ensinaram em pequeno não serem relativas, como dizer a verdade e saber merecer a confiança que os outros tenham em nós.

O que me incomoda não é a existência do serviço, que como qualquer outra invenção humana apenas foi criado para satisfazer uma necessidade existente. O que me incomoda é a forma fácil como nos países ocidentais nos convertemos facilmente numa sociedade de hedonistas egocêntricos, em que nada é mais importante que a nossa satisfação pessoal, muitas vezes expressa, numa lógica difícil de contrariar, no nosso "direito" a sermos felizes, que torna tudo o resto secundário.

É por isso que não temos filhos; não é por falta de possibilidades, que a esmagadora maioria dos portugueses tem mais possibilidades e conforto material do que os seus pais ou avós, mas porque temos que pesar o crescimento da família, e os inconvenientes que lhe estão associados, com o espaço que resta para sermos "felizes"ou, dito de outra forma, para termos o que queremos.

E é por isso que, nesta ânsia de ter as suas vontades satisfeitas, de ter uma felicidade que assenta no que recebemos da vida, que muita gente, da minha geração e das seguintes, vai perceber, quando derem por si sozinhos a colher o que não semearam pela vida fora, que afinal, ao contrário do que dizem os senhores que vendem a emoção imediata de um "second love", a vida é bem menos curta do que parecia.

Tuesday, August 16, 2011

Governo MS Office















Era comum dizer-se há uns meses do Governo do PS, dirigido por Sócrates, que se tratava de uma "governação Powerpoint", construindo com base na aplicação da 'suite' Office da Microsoft, a mais utilizada por empresas e instituições para apresentar ideias e projectos, a analogia de uma acção governativa tão eficaz e cuidada na apresentação de propostas ou resultados como era incompetente na concretização de medidas concretas.

O problema central do consulado de Sócrates não foi, no entanto, o ênfase na forma relativamente ao vazio do conteúdo, mas antes outro, que também pode ser descrito com uma analogia envolvendo software corrente: é que das várias aplicações ao dispôr, a menos utilizada foi sem dúvida o Excel.


Friday, August 5, 2011

Os pioneiros em luta pela bandeirada


















Os taxistas de Hangzhou, uma cidade próxima de Shangai, com dois mil anos de uma história brilhante que a tornaram numa das pérolas de que a China se orgulha, onde os templos e pagodes convivem com algumas das zonas comerciais mais caras do País, estiveram três dias em greve. Os acontecimentos representam um teste à capacidade do Estado chinês de lidar com a pressão da inflação sobre os rendimentos da grande maioria da população (mas sobre isso escrevi sobre isto no meu outro blog, onde não limito os parágrafos).

Depois de terem começado por pedir o aumento da bandeirada, que há anos não é actualizada, apesar do preço dos combustíveis não parar de subir, os grevistas juntaram à sua lista de reinvidicações a formação de um sindicato e a atribuição de pensões de reforma. Mais do que os próprios acontecimentos, mais até do que o contexto que os rodeia, foi aqui que algo me chamou a atenção: é que tudo isto, incluindo os pedidos mais afoitos dos grevistas, foi relatado pela própria imprensa estatal chinesa, ou seja, mais do que a própria notícia, é a fonte que nos revela como a China está a mudar.

Alguns observadores apontam a posição ambivalente do governo central como sinal de desorientação, dizendo que Pequim não reage por não saber o que fazer em seguida. Eu prefiro recordar uma história: no final dos anos 70, quando um Deng Xiaoping em início de consulado se concentrava na reforma de uma agricultura devastada por uma década de Revolução Cultural, grupos de mulheres rurais de uma das regiões do litoral chinês começaram a dirigir-se semi-clandestinamente às cidades, para aí vender directamente à população os excedentes da renovada produção agrícola, numa actividade de comércio livre que era uma flagrante violação de um dos pilares doutrinários do comunismo, algo cuja simples sugestão uns anos antes seria implacavelmente reprimida.

Na ausência de sinais fortes de Pequim quanto ao que fazer perante esta situação nova, os governos regionais exerceram repressão, inicialmente moderada, depois mais dura, sobre as destemidas mulheres do campo.  Quando a situação atingia o seu ponto crítico, e se esperava a qualquer momento o término violento da aventura, Deng Xiaoping discursou em Pequim e, abordando o assunto pela primeira vez, mencionou-as directamente,  sem se refugiar nas figuras de estilo que a coerência ideológica aconselharia, como "pioneiras", apontando-as como modelo a seguir, um exemplo das virtudes de assumir a iniciativa. Pode-nos parecer pouco hoje, quando uma greve na China é noticiada livremente pela imprensa estatal, mas o elogio de um líder do PCC à livre iniciativa, tão esperado como seria hoje ouvir Papa tolerar o uso do preservativo, mudou, em poucas palavras, o rumo da China, abrindo caminho para reformas económicas que em última análise libertaram parte do tremendo poder empreendedor dos chineses dos constrangimentos do Estado. A partir daí, como se costuma dizer nestas ocasiões, foi a História que todos conhecemos.

Monday, June 6, 2011

O outro derrotado












Com um score que o obrigou a demitir-se do PS e a abandonar a política, pelo menos no curto prazo, Sócrates foi um dos grandes derrotados da noite, mas não esteve, tudo menos isso, sozinho, e o outro político que sofreu, nos seus termos, uma derrota tão ou mais pesada que a registada por Sócrates  chama-se Francisco Louçã.

Nascido da aliança de vários pequenos partidos e organizações (como a Política XXI) de esquerda, com os trotskistas do PSR de Louçã como antecedente mais visível, o Bloco de Esquerda conseguiu ao longo da última década captar o voto de alguma esquerda urbana, nomeadamente a que não se revê na mensagem do PS, e não consegue ignorar a sensação de anacronismo em que a linguagem e identidade do PCP inevitavelmente o envolvem, crescendo paulatinamente a partir daí.

Como não podia utilizar o léxico politico tradicional do marxismo, e a sua terminologia socio-económica -- porque não é viável num País europeu, no Século XXI dizer-se que se é contra a economia de mercado e se combate o capitalismo, nem falar abertamente de luta de classes -- o Bloco adoptou habilmente um discurso moral, que lhe permitiu posicionar-se como um partido acima do jogo de interesses da baixa política, no fundo substituindo a recusa em aceitar o capitalismo, que não pode admitir abertamente, pela sua moralização, ou seja o capitalismo passa a ser descrito subliminarmente como o mal que é preciso combater.

Esta estratégia tinha no entanto dois problemas: em primeiro lugar, se o Bloco alguma vez chegasse ao Governo, e fosse obrigado por força das circunstâncias a trabalhar dentro do mesmo sistema cuja legitimidade subliminarmente nega, a sua aura de superioridade moral não resistiria à prática de actos de governação.

O segundo problema é que a falta de uma identidade política clara, porque o que o Bloco construiu foi uma imagem, e não uma ideologia, obrigaria a total coerência para que o partido não fosse visto como um actor político igual aos outros. Ora no último ano, primeiro com o apoio a Manuel Alegre, e depois com a trapalhada da moção de censura, que o próprio Louçã admitiu ser uma jogada táctica, o Bloco não podia ter demonstrado de forma mais clara que é um partido igual aos outros, norteado antes de tudo pela conquista de votos.

Foi isto, somado ao efeito de quem neste momento difícil não quis votar em quem se opõe á única solução viável, que levou o Bloco a perder metade dos seus deputados, dando a Louçã a primeira, e maior, derrota do partido desde que este existe, e criando sérias dúvidas se o seu processo de crescimento não terá sido irremediavelmente comprometido.

Sunday, June 5, 2011

E depois do adeus














Para gáudio de boa parte da população e alívio de qualquer português informado que conhecesse a profundidade dos problemas que enfrentamos, bastaram as primeiras projecções eleitorais para confirmar a saída de cena de José Sócrates, que perdeu as eleições com estrondo, e um score abaixo dos trinta por cento que configurariam uma derrota honrosa.

Do lado dos vitoriosos,  a primeira meia hora após a divulgação dos resultados faz antever que a mensagem do centro-direita, nomeadamente do PSD -- que conseguiu o seu terceiro melhor score de sempre, a seguir às duas maiorias absolutas de Cavaco --  será a de que os portugueses "optaram pela mudança", o que em circunstâncias normais equivaleria a dizer que optaram pelas propostas e programas de Governo dos partidos em quem votaram.

Sucede que não vivemos, de todo, em circunstâncias normais, e o verdadeiro Programa de Governo, o elefante na sala que a campanha ostensivamente ignorou, foi assinado com os credores do País no passado mês de Maio, pelo que os portugueses optaram por mudar de pessoas, e não de projectos.

Para quem acha que os nossos problemas acabam com a saída do PS do Governo, esta é uma boa altura de lembrar o que de facto se assinala hoje: que Sócrates larga o poder, mas no preciso momento em que os problemas a sério vão efectivamente começar.

Wednesday, June 1, 2011

Revolucionários de barriga cheia















Não tenho nada contra os jovens acampados, em protesto de inspiração espanhola, que se manifestam em várias cidades europeias, incluindo um acampamento no Rossio, em Lisboa, até porque por norma não antipatizo com a contestação ao sistema, concorde ou não com as ideias que lhe sirvam de base.

Dito isto, incomodam-me a ignorância e presunção, tanto nos auto-nomeados porta vozes destes movimentos como nos media, que falam de um Verão Espanhol, na sequência da Primavera Árabe que levou ao tão imprevisível quanto irreversível queda de ditadores há muito estabelecidos na Tunísia e Egipto, e à ocorrência de problemas na península arábica, na Líbia e na Síria.

Quem tenha acompanhado os relatos da insurgência popular árabe enquanto ela aconteceu não pôde deixar de assinalar, como de resto a própria imprensa fez, a grande coragem física demonstrada por aquelas populações, que enfrentaram todos os dias, dia após dia, a perspectiva de prisão, tortura ou morte para se manifestarem na rua, pedindo o derrube dos regimes que os oprimiam, sendo que nos casos da Siria e da Libia continuam a chegar até nós relatos que fazem supor um cenário ainda pior do que o verificado no Egipto ou na Tunisia.

Os árabes não se revoltaram por mais representatividade, revoltaram-se por não terem nenhuma. Assim, não consigo evitar uma sensação de desconforto quando vejo uma geração de manifestantes que, por mais legítimas que sejam as suas reivindicações, nunca passaram grande fome ou frio, nem muito menos foram presos ou torturados, e para quem dificuldade é ter pouco recheio para as suas mortalhas, falarem dos seus "irmãos árabes".

Para usar uma expressão muito em voga no Portugal dos anos 70, no caso apontando a incongruência de como alguns dos mais destacados comunistas eram no fundo dos membros economicamente mais favorecidos na sociedade, quando penso na rapaziada que acampou no Rossio só consigo lembrar-me de uma expressão: são revolucionários de barriga cheia.

Thursday, May 5, 2011

Sócrates e o Programa de Governo... do FMI















Ao ler o memorando — irónica designação para um denso documento de 34 páginas  — de entendimento entre o Governo português e a Troika, que o Primeiro Ministro se prepara para assinar com a anuência dos principais partidos da oposição, há duas coisas em que é impossível não reparar.

A primeira é que o documento da Troika é, de facto, um Programa de Governo, mais detalhado, aprofundado e objectivo do que os programas que qualquer dos partidos com aspirações governativas foi capaz de apresentar em democracia. Mesmo descontando os constrangimentos que naturalmente não tem quem não se submete  ao veredicto das urnas, e mesmo tendo em conta que o Governo foi obrigado a fornecer às entidades internacionais mais e melhor informação do que normalmente forneceria à Oposição, devia fazer-nos pensar como só em circunstâncias destas é possível ter um plano de acção com objectivos claros e quantificados, por oposição às habituais generalidades pré-eleitorais avessas a compromissos.

A segunda é que, tratando-se de um Programa de Governo para os próximos 3 anos, ainda que dispondo de margem de manobra quanto à forma concreta de atingir alguns dos objectivos, o próximo Executivo terá de facto que governar de acordo com os ditames da Troika e, mais importante, sujeito à avaliação trimestral do bom andamento das medidas para ir recebendo as várias tranches do empréstimo agora acordado.

É assim irónico, para não dizer outra coisa, ver um primeiro ministro, o mesmo que afirmou categoricamente que não contassem com ele para governar com o FMI, esforçar-se agora tanto para valorizar o seu papel no processo negocial, e até as semelhanças do programa de reformas que nos foi imposto com o infame PEC4, no fundo defendendo e tentando reclamar parte da autoria do Programa de Governo... do FMI.

Tuesday, May 3, 2011

Do contra












Nestes tempos agitados, se auscultarmos o português médio sobre qualquer assunto que diga respeito à vida pública, seja na política ou na economia, ele dirá, de uma forma ou de outra, que está contra.

Está contra os políticos que não fazem nada de útil pelo País, como está contra a mera sugestão que haja um único dirigente político em Portugal que sirva para alguma coisa que não seja para se servir a si mesmo. Está contra os administradores de empresas públicas que ganham muito dinheiro, ou melhor vistas as coisas está contra qualquer pessoa que ganhe muito dinheiro, seja de que forma fôr, mesmo que seja numa empresa privada com a qual o Estado não tem nada a ver, porque só se pode estar contra quem ganhe demais, ou dito de outra forma quem ganhe muito mais que nós.

Está contra a entrada do FMI a Portugal, porque nos vai obrigar a sacrifícios, com também estava contra os políticos que manifestamente não conseguiam resolver o problema sem o FMI, nem tomar as decisões difíceis que se exigiam, e que implicavam obrigatoriamente sacrifícios.

Está contra os gastos excessivos do Estado, aliás está contra todos os gastos do Estado, nem que seja o casamento do herdeiro da Coroa de outro País, e portanto de outro Estado, porque o País está a passar por um momento difícil e não é altura de gastos, tirando naturalmente subsidiar a Saúde, os transportes, os recém-desempregados com vinte e cinco anos, as portagens da SCUT mais próxima ou o clube de futebol da nossa preferência, porque só se pode estar contra pagar mais por coisas que o Estado devia oferecer-nos em troca dos nossos impostos, e se há tanto desperdício em coisas inúteis não faz sentido não nos darem também tudo o que precisamos.

Nada disto é novo, porque a melhor forma de pôr os portugueses de acordo entre si sempre foi contra alguma coisa. Sucede que, por mais que digamos o contrário, e questionemos o sistema político e económico que temos, nunca ninguém reformou um País com base naquilo a que se opõe, pelo que se queremos que Portugal ultrapasse esta situação teremos inevitavelmente que nos pôr de acordo, mas desta vez, e nem que seja só desta vez, quanto àquilo a que somos favoráveis.

Monday, May 2, 2011

O ícone do terror












No meio de especulações causadas pela ausência do corpo, ou até de fotografias do cadáver, o presidente dos EUA anunciou hoje a morte de Osama Bin Laden. A notícia mereceu naturalmente o destaque dos media a nível mundial e os americanos não se coibiram de festejar, pública e exuberantemente, o cumprimento da ameaça velada de George W. Bush, em Setembro de 2001, quando ao falar do que o Estado americano pretendia fazer para encontrar os culpados do atentado ao World Trade Center referiu de forma pouco subtil os cartazes "wanted, dead or alive" que costumavam existir no Velho Oeste americano.

Mais do que o líder de uma organização terrorista, a história recordará Osama como o primeiro — naturalmente se excluirmos o terror patrocinado por Estados, onde a galeria é longa e repleta de personagens ilustres — e maior ícone global do Terror. Vendo o impacto das suas acções e o alcance da sua mensagem amplificados pela era da internet e da comunicação instantânea, o aristocrata saudita que numa década passou de Mujahideen que combatia os soviéticos no Afeganistão com apoio norte-americano a maior inimigo declarado dos EUA, tornou-se o primeiro terrorista a ter o rosto reconhecido instantaneamente em qualquer lugar do Mundo.

A forma como os regimes autoritários que governam a maioria do mundo árabe parecem prestes a ser atingidos pela força irresitível dos ventos da História, e como as populações desses Países parecem ter tomado consciência que podem ser donas do seu destino, reduziu claramente o apelo de Bin Laden, tirando sustentação ao discurso islamista e anti-americano da Al Qaeda. Com o tempo, o outrora temível Osama iria tranquilamente ocupar o seu lugar nas prateleiras mais distantes e poeirentas, tanto da História como das nossas memórias, símbolo de um passado distante num mundo que já não justifica a sua existência. Com a morte prematura, ainda por cima ocorrida em circunstâncias pouco claras, que certamente contribuirão para alimentar o mito, Osama Bin Laden conseguiu ontem a sua última vitória: a imortalidade.

Friday, April 29, 2011

Ovelha lusitana















Entre as nossas múltiplas originalidades nacionais há uma que há muito me intriga, porque resiste teimosamente, ao tempo e à lógica, aparentemente indiferente à evolução e progresso natural das coisas: a forma como os portugueses pagam gasolina nos postos de abastecimento.

Para quem não saiba, Portugal tem uma das redes de pagamento automático mais avançadas do Mundo. Beneficiámos, como noutras áreas, de começar mais tarde que a maioria dos países ditos desenvolvidos, e isso resultou numa rede de multibanco unificada, então uma excepção, a partir da qual surgiu aliás uma míriade de inovações, dos primeiros telemóveis pré-pagos à Via Verde, para além da possibilidade de pagarmos tudo, da conta da luz aos impostos, usando um simples cartão de débito. Tornou-se aliás comum ver o português típico usar o referido cartão para pagar a mais pequena das despesas, levando os próprios comerciantes a estabelecerem limites mínimos de utilização.

Tudo isto só torna mais estranho o fenómeno que observo cada vez que ponho gasolina, servindo-me da máquina integrada nas bombas que permite, utilizando um cartão multibanco, pagar o combustível e obter o recibo sem ter sequer que me afastar do carro. O fenómeno que eu refiro é reparar, invariavelmente, que pareço ser o único a fazê-lo. Toda a gente insiste, mesmo em alturas de maior afluência, em deslocar-se à caixa para pagar, com o mesmíssimo cartão, a gasolina que abasteceram no minuto anterior, após aguardarem pacientemente numa fila pela sua vez. É para mim a maior das idiossincrasias nacionais: o povo que inventou o desenrascanço, que ignorou os sinais de proibido de fumar durante décadas, cujo sentido de independência lhe deu a fronteira nacional mais antiga da Europa é também o povo que mais facilmente adere em massa à pior forma de fazer as coisas, só porque é essa a forma usada pela maioria dos outros.

Thursday, April 28, 2011

O triunfo da verdade








Quando em 1935 Leni Riefenstahl estreou o seu Triunfo da Vontade, o momento de celebração apoteótica do nazismo que acumula o lugar na História do cinema com o papel de símbolo da ascensão irreversível do partido Nacional Socialista alemão, o mundo passou a registar como a propaganda, alimentada de ressentimento e medo do futuro, é capaz de levar o mais civilizado dos povos à loucura colectiva.

A todos os democratas, o Triunfo da Vontade deveria também lembrar uma verdade incontornável: Hitler foi livremente eleito pelos seus concidadãos.

Vem isto a propósito do Programa de Governo do PS, que distorce, omite e pura e simplesmente mente nos grandes números da nossa Economia, particularmente nos que poderíamos usar para julgar a performance governativa de Sócrates, como é o caso do défice das contas públicas. É uma técnica recorrente em Sócrates, mentir nos números ou apresentá-los fora de tempo e contexto, que não espanta qualquer observador atento, como não espantou a tónica de elegia ao líder, ao bom estilo norte-coreano, que os aprendizes de Riefenstahl que organizaram o recente Congresso do PS habilmente encenaram para dar ideia do apoio do partido ao "Zé".

A 05 de Junho, quando soubermos o resultado das eleições, iremos ver até que ponto os portugueses fizeram as contas, e conseguiram distinguir entre os números agradáveis que o discurso oficial do PS debita e a realidade nua, crua e desagradável que todos os outros referem. A incógnita permanece, mas continuo com esperança que o povo seja sereno, e em vez de mais uma repetição, com outros protagonistas, de uma história de mistificação colectiva como a que o génio de Riefenstahl retratou, o filme desta vez seja o do Triunfo... da verdade.

Sunday, April 24, 2011

Alunos e professores

Pacheco Pereira perorava há pouco, no seu programa televisivo na SIC Notícias, e a propósito de um artigo que revela que um terço das crianças portuguesas estão nas redes sociais (indicador aliás ligeiramente abaixo da média Europeia), sobre a forma como a escola não ensina os jovens a usar a internet, da pesquisa de conteúdos à interacção das redes sociais, concluindo que o sistema de ensino está a perder uma oportunidade de transformar os novos meios de comunicação numa ferramenta útil para o crescimento intelectual dos jovens, que em vez disso as vão descobrir recorrendo apenas aos seus impulsos e aos exemplos dos colegas, não explorando convenientemente o seu potencial.


Tirando naturalmente alguma educação cívica que evite que as crianças caiam em armadilhas de adultos menos bem intencionados, que aliás Pacheco Pereira referiu, e mesmo essa deverá ser dada fundamentalmente em casa, a tese do comentador do PSD revela, acima de tudo, total incompreensão da forma como o Mundo mudou, que torna o seu conceito de "ensinar a usar a internet" na escola desprovido de sentido, pela mais evidente das razões: ao contrário do que sucedeu todo o restante conhecimento acumulado e transmitido pela humanidade ao longo da sua história, se mandássemos hoje os professores portugueses ensinarem aos jovens como usar as novas ferramentas de comunicação rapidamente constataríamos que na maioria  dos casos, e se entendermos aqui que o professor é quem detém o conhecimento e o aluno quem o recebe, os papéis se inverteriam, e acabariam por ser as crianças a ensinar os adultos sobre como explorar a internet.

Thursday, April 21, 2011

Quando um homem quiser

Hoje foi um dia recheado de peripécias: numa daquelas opiniões que não há contexto que explique, Otelo Saraiva de Carvalho disse a um jornal que precisávamos de um homem como Salazar. O jornal 'i' descobriu ainda Telmo, concorrente do primeiro Big Brother e infame responsável pela introdução da palavra "órgias" na bela língua portuguesa, em lugar obscuro nas listas do PS à Assembleia da República, tudo isto num dia em que, enquanto a Troika procura perceber porque produzimos e crescemos tão pouco, o Governo decidiu dar tolerância de ponto na véspera de uma dupla ponte de quatro dias.

Quando expus, há pouco no Facebook, esta peculiar coincidência de acontecimentos estranhos, uma amiga minha perguntou, com alguma propriedade, se hoje não seria o primeiro dia do mês de Abril, onde tudo parece ser possível nos títulos da imprensa. Foi um momento de revelação, que me fez perceber que nestes tempos estranhos em que  vivemos o 1 de Abril é, como o Natal, quando um homem quiser.

Tuesday, April 12, 2011

Dois dias que mudaram Nobre

Poucos meses depois de dizer que nunca entraria na política, que comparou a um "saco de gatos" pouco recomendável a um homem sério, Fernando Nobre anunciou há dois dias que seria o cabeça de lista do PSD por Lisboa, e o Partido anunciou por sua vez que o médico e fundador da AMI seria o seu candidato ao segundo lugar da hierarquia do Estado, a presidência da Assembleia da República. Dois dias depois a página do Facebook onde Nobre tinha perto de 40.000 aderentes foi desactivada, face ao afluxo de protestos, e substituída por uma outra com comentários moderados, obviamente noutro tom e obviamente quase deserta.

A lição de tudo isto é como conduzido da forma errada mesmo um homem sério e com obra feita pode fazer num piscar de olhos todo o ciclo de expectativa, promessa, engano e mentira de que qualquer homem sério com obra feita acusa os políticos profissionais dos nossos dias, desmentindo as suas convicções com a mesma aparente certeza que jurou sobre elas no instante anterior.

Ao desligar a página do Facebook, Fernando Nobre revelou uma de duas coisas: ou que não sabe suportar críticas, e portanto não é um democrata, ou que está mal aconselhado, e aceita conselhos de gente menos recomendável sobre matérias que não domina, como parece ser o caso do Facebook. Qualquer dos cenários não é animador ou compatível com a imagem que o fundador da AMI justamente construiu, e a verdade é que Nobre parece ir conseguir destruir em dois dias toda a sua credibilidade política e parte da sua imagem de cidadão exemplar, e com isto qualquer possibilidade de pôr a sua enorme experiência profissional e de vida ao serviço do País. Esta é a parte de que ninguém fala, mas onde todos perdemos.

Monday, April 4, 2011

Sócrates e a loucura

No Facebook há pouco reparei que havia quem estivesse a ver a entrevista do Primeiro Ministro e comentasse tratar-se de mais do mesmo. A esses meus amigos tenho uma coisa a dizer: é bonito conseguir ter-se esperança que as coisas mudem, mas ver Sócrates falar várias vezes e esperar que seja na próxima que ele vai mudar o discurso, ou admitir que errou seja no que for, é, em si, a definição de loucura.

Wednesday, March 23, 2011

Não é a isso que se chama alternativa?

Depois de bater à esquerda (por não ser possível imaginá-la no Governo devido à inflexibilidade ideológica) e à direita (repetindo o discurso oficial de culpabilização do PSD) Francisco Assis resume as referências ao CDS/PP numa única frase, dizendo que este "adoptou outro comportamento, na forma como se foi diferenciando das nossas posições. Eles ficarão com as suas, nós com as nossas".

O espelho da Nação

Ao ver há pouco as deputadas e deputados da Nação desfilarem à frente das câmaras enquanto atravessavam as porta de saída do hemiciclo, um aglomerado de caras desconhecidas que mais depressa imaginaríamos no bar de um hotel de três estrelas do que a representar-nos, arrependi-me das vezes em que disse que os políticos são o espelho de um País.