Friday, August 5, 2011

Os pioneiros em luta pela bandeirada


















Os taxistas de Hangzhou, uma cidade próxima de Shangai, com dois mil anos de uma história brilhante que a tornaram numa das pérolas de que a China se orgulha, onde os templos e pagodes convivem com algumas das zonas comerciais mais caras do País, estiveram três dias em greve. Os acontecimentos representam um teste à capacidade do Estado chinês de lidar com a pressão da inflação sobre os rendimentos da grande maioria da população (mas sobre isso escrevi sobre isto no meu outro blog, onde não limito os parágrafos).

Depois de terem começado por pedir o aumento da bandeirada, que há anos não é actualizada, apesar do preço dos combustíveis não parar de subir, os grevistas juntaram à sua lista de reinvidicações a formação de um sindicato e a atribuição de pensões de reforma. Mais do que os próprios acontecimentos, mais até do que o contexto que os rodeia, foi aqui que algo me chamou a atenção: é que tudo isto, incluindo os pedidos mais afoitos dos grevistas, foi relatado pela própria imprensa estatal chinesa, ou seja, mais do que a própria notícia, é a fonte que nos revela como a China está a mudar.

Alguns observadores apontam a posição ambivalente do governo central como sinal de desorientação, dizendo que Pequim não reage por não saber o que fazer em seguida. Eu prefiro recordar uma história: no final dos anos 70, quando um Deng Xiaoping em início de consulado se concentrava na reforma de uma agricultura devastada por uma década de Revolução Cultural, grupos de mulheres rurais de uma das regiões do litoral chinês começaram a dirigir-se semi-clandestinamente às cidades, para aí vender directamente à população os excedentes da renovada produção agrícola, numa actividade de comércio livre que era uma flagrante violação de um dos pilares doutrinários do comunismo, algo cuja simples sugestão uns anos antes seria implacavelmente reprimida.

Na ausência de sinais fortes de Pequim quanto ao que fazer perante esta situação nova, os governos regionais exerceram repressão, inicialmente moderada, depois mais dura, sobre as destemidas mulheres do campo.  Quando a situação atingia o seu ponto crítico, e se esperava a qualquer momento o término violento da aventura, Deng Xiaoping discursou em Pequim e, abordando o assunto pela primeira vez, mencionou-as directamente,  sem se refugiar nas figuras de estilo que a coerência ideológica aconselharia, como "pioneiras", apontando-as como modelo a seguir, um exemplo das virtudes de assumir a iniciativa. Pode-nos parecer pouco hoje, quando uma greve na China é noticiada livremente pela imprensa estatal, mas o elogio de um líder do PCC à livre iniciativa, tão esperado como seria hoje ouvir Papa tolerar o uso do preservativo, mudou, em poucas palavras, o rumo da China, abrindo caminho para reformas económicas que em última análise libertaram parte do tremendo poder empreendedor dos chineses dos constrangimentos do Estado. A partir daí, como se costuma dizer nestas ocasiões, foi a História que todos conhecemos.

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