Friday, April 29, 2011

Ovelha lusitana















Entre as nossas múltiplas originalidades nacionais há uma que há muito me intriga, porque resiste teimosamente, ao tempo e à lógica, aparentemente indiferente à evolução e progresso natural das coisas: a forma como os portugueses pagam gasolina nos postos de abastecimento.

Para quem não saiba, Portugal tem uma das redes de pagamento automático mais avançadas do Mundo. Beneficiámos, como noutras áreas, de começar mais tarde que a maioria dos países ditos desenvolvidos, e isso resultou numa rede de multibanco unificada, então uma excepção, a partir da qual surgiu aliás uma míriade de inovações, dos primeiros telemóveis pré-pagos à Via Verde, para além da possibilidade de pagarmos tudo, da conta da luz aos impostos, usando um simples cartão de débito. Tornou-se aliás comum ver o português típico usar o referido cartão para pagar a mais pequena das despesas, levando os próprios comerciantes a estabelecerem limites mínimos de utilização.

Tudo isto só torna mais estranho o fenómeno que observo cada vez que ponho gasolina, servindo-me da máquina integrada nas bombas que permite, utilizando um cartão multibanco, pagar o combustível e obter o recibo sem ter sequer que me afastar do carro. O fenómeno que eu refiro é reparar, invariavelmente, que pareço ser o único a fazê-lo. Toda a gente insiste, mesmo em alturas de maior afluência, em deslocar-se à caixa para pagar, com o mesmíssimo cartão, a gasolina que abasteceram no minuto anterior, após aguardarem pacientemente numa fila pela sua vez. É para mim a maior das idiossincrasias nacionais: o povo que inventou o desenrascanço, que ignorou os sinais de proibido de fumar durante décadas, cujo sentido de independência lhe deu a fronteira nacional mais antiga da Europa é também o povo que mais facilmente adere em massa à pior forma de fazer as coisas, só porque é essa a forma usada pela maioria dos outros.

Thursday, April 28, 2011

O triunfo da verdade








Quando em 1935 Leni Riefenstahl estreou o seu Triunfo da Vontade, o momento de celebração apoteótica do nazismo que acumula o lugar na História do cinema com o papel de símbolo da ascensão irreversível do partido Nacional Socialista alemão, o mundo passou a registar como a propaganda, alimentada de ressentimento e medo do futuro, é capaz de levar o mais civilizado dos povos à loucura colectiva.

A todos os democratas, o Triunfo da Vontade deveria também lembrar uma verdade incontornável: Hitler foi livremente eleito pelos seus concidadãos.

Vem isto a propósito do Programa de Governo do PS, que distorce, omite e pura e simplesmente mente nos grandes números da nossa Economia, particularmente nos que poderíamos usar para julgar a performance governativa de Sócrates, como é o caso do défice das contas públicas. É uma técnica recorrente em Sócrates, mentir nos números ou apresentá-los fora de tempo e contexto, que não espanta qualquer observador atento, como não espantou a tónica de elegia ao líder, ao bom estilo norte-coreano, que os aprendizes de Riefenstahl que organizaram o recente Congresso do PS habilmente encenaram para dar ideia do apoio do partido ao "Zé".

A 05 de Junho, quando soubermos o resultado das eleições, iremos ver até que ponto os portugueses fizeram as contas, e conseguiram distinguir entre os números agradáveis que o discurso oficial do PS debita e a realidade nua, crua e desagradável que todos os outros referem. A incógnita permanece, mas continuo com esperança que o povo seja sereno, e em vez de mais uma repetição, com outros protagonistas, de uma história de mistificação colectiva como a que o génio de Riefenstahl retratou, o filme desta vez seja o do Triunfo... da verdade.

Sunday, April 24, 2011

Alunos e professores

Pacheco Pereira perorava há pouco, no seu programa televisivo na SIC Notícias, e a propósito de um artigo que revela que um terço das crianças portuguesas estão nas redes sociais (indicador aliás ligeiramente abaixo da média Europeia), sobre a forma como a escola não ensina os jovens a usar a internet, da pesquisa de conteúdos à interacção das redes sociais, concluindo que o sistema de ensino está a perder uma oportunidade de transformar os novos meios de comunicação numa ferramenta útil para o crescimento intelectual dos jovens, que em vez disso as vão descobrir recorrendo apenas aos seus impulsos e aos exemplos dos colegas, não explorando convenientemente o seu potencial.


Tirando naturalmente alguma educação cívica que evite que as crianças caiam em armadilhas de adultos menos bem intencionados, que aliás Pacheco Pereira referiu, e mesmo essa deverá ser dada fundamentalmente em casa, a tese do comentador do PSD revela, acima de tudo, total incompreensão da forma como o Mundo mudou, que torna o seu conceito de "ensinar a usar a internet" na escola desprovido de sentido, pela mais evidente das razões: ao contrário do que sucedeu todo o restante conhecimento acumulado e transmitido pela humanidade ao longo da sua história, se mandássemos hoje os professores portugueses ensinarem aos jovens como usar as novas ferramentas de comunicação rapidamente constataríamos que na maioria  dos casos, e se entendermos aqui que o professor é quem detém o conhecimento e o aluno quem o recebe, os papéis se inverteriam, e acabariam por ser as crianças a ensinar os adultos sobre como explorar a internet.

Thursday, April 21, 2011

Quando um homem quiser

Hoje foi um dia recheado de peripécias: numa daquelas opiniões que não há contexto que explique, Otelo Saraiva de Carvalho disse a um jornal que precisávamos de um homem como Salazar. O jornal 'i' descobriu ainda Telmo, concorrente do primeiro Big Brother e infame responsável pela introdução da palavra "órgias" na bela língua portuguesa, em lugar obscuro nas listas do PS à Assembleia da República, tudo isto num dia em que, enquanto a Troika procura perceber porque produzimos e crescemos tão pouco, o Governo decidiu dar tolerância de ponto na véspera de uma dupla ponte de quatro dias.

Quando expus, há pouco no Facebook, esta peculiar coincidência de acontecimentos estranhos, uma amiga minha perguntou, com alguma propriedade, se hoje não seria o primeiro dia do mês de Abril, onde tudo parece ser possível nos títulos da imprensa. Foi um momento de revelação, que me fez perceber que nestes tempos estranhos em que  vivemos o 1 de Abril é, como o Natal, quando um homem quiser.

Tuesday, April 12, 2011

Dois dias que mudaram Nobre

Poucos meses depois de dizer que nunca entraria na política, que comparou a um "saco de gatos" pouco recomendável a um homem sério, Fernando Nobre anunciou há dois dias que seria o cabeça de lista do PSD por Lisboa, e o Partido anunciou por sua vez que o médico e fundador da AMI seria o seu candidato ao segundo lugar da hierarquia do Estado, a presidência da Assembleia da República. Dois dias depois a página do Facebook onde Nobre tinha perto de 40.000 aderentes foi desactivada, face ao afluxo de protestos, e substituída por uma outra com comentários moderados, obviamente noutro tom e obviamente quase deserta.

A lição de tudo isto é como conduzido da forma errada mesmo um homem sério e com obra feita pode fazer num piscar de olhos todo o ciclo de expectativa, promessa, engano e mentira de que qualquer homem sério com obra feita acusa os políticos profissionais dos nossos dias, desmentindo as suas convicções com a mesma aparente certeza que jurou sobre elas no instante anterior.

Ao desligar a página do Facebook, Fernando Nobre revelou uma de duas coisas: ou que não sabe suportar críticas, e portanto não é um democrata, ou que está mal aconselhado, e aceita conselhos de gente menos recomendável sobre matérias que não domina, como parece ser o caso do Facebook. Qualquer dos cenários não é animador ou compatível com a imagem que o fundador da AMI justamente construiu, e a verdade é que Nobre parece ir conseguir destruir em dois dias toda a sua credibilidade política e parte da sua imagem de cidadão exemplar, e com isto qualquer possibilidade de pôr a sua enorme experiência profissional e de vida ao serviço do País. Esta é a parte de que ninguém fala, mas onde todos perdemos.

Monday, April 4, 2011

Sócrates e a loucura

No Facebook há pouco reparei que havia quem estivesse a ver a entrevista do Primeiro Ministro e comentasse tratar-se de mais do mesmo. A esses meus amigos tenho uma coisa a dizer: é bonito conseguir ter-se esperança que as coisas mudem, mas ver Sócrates falar várias vezes e esperar que seja na próxima que ele vai mudar o discurso, ou admitir que errou seja no que for, é, em si, a definição de loucura.