Monday, January 16, 2012

E a CGTP serve para quê?
















As edições online dos jornais dão conta de que a CGTP abandonou, à hora do almoço de hoje, a reunião da Concertação Social, e deixou a UGT como único representante dos sindicatos nas negociações. Esta é, por definição, uma não-notícia: desde que a CGTP existe nunca assinou um acordo de Concertação com os restantes parceiros sociais, pelo que a única variável é a hora a que deu por encerrada a sua participação na reunião.

A pergunta impõe-se: tirando o apoio político e logístico ao PCP, o primeiro usando com retórica afiada o microfone que as televisões dão a Carvalho e Silva, à saída  das reuniões de Concertação, o segundo ajudando a organizar "a rua" para contestar o Governo do momento, para que serve a CGTP? Para que serve uma central sindical que em 38 anos de democracia não assinou um único acordo?

À saída da reunião o secretário geral da CGTP ainda tentou defender o putativo contributo da organização na forma como o Governo poderá atenuar algumas propostas, como a meia hora de trabalho adicional, que de resto tinha revelado estar disposto a deixar caír, e acusa a UGT de estar a ser conivente com um "retrocesso monumental dos direitos dos trabalhadores". Nestas alturas alguém devia recordar à CGTP que, como diz o povo, quem cala consente, e que se a conversa que interessa se passa na sala de negociação abandoná-la sistematicamente não defende os tão (mal) citados direitos dos trabalhadores, e no máximo apenas dá à CGTP azo a continuar esta prática absurda, de atacar nos 'media' aquilo que se recusou a negociar em sede própria.

Friday, October 28, 2011

Pobres ricos



















Esta quarta-feira, já de madrugada, os líderes da União Europeia chegaram a um acordo de princípio para evitar a morte prematura do euro, com a insolvência descontrolada da Grécia, a que provavelmente se seguiria igual destino para Portugal e a Irlanda, e ataques cerrado dos mercados às economias de Itália e Espanha, demasiado grandes para serem salvas pela UE.

O enorme suspiro de alívio que percorreu a Europa, incluindo os mercados de capitais, não permitiu que fosse dado o devido destaque a um aspecto que, embora mencionado como normal, simboliza o quanto o mundo mudou nestes últimos anos.

Refiro-me à assumpção de que as economias emergentes, nomeadamente a China e o Brasil, poderiam ajudar a UE a financiar a dívida europeia, estabelecendo-se uma forma de entrarem no Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF). Segundo os relatos da imprensa, o primeiro telefonema que Nicolas Sarkozy realizou após o término da cimeira foi para o seu homólogo Hu Jintao, e o director do FEEF embarcou de seguida para Pequim, onde irá reunir-se com os dirigentes chineses para discutir a participação chinesa no fundo do qual dependerá em boa parte a viabilidade das finanças públicas de economias como a nossa.

Por trás da retórica cordial - Hu Jintao referiu-se à Europa como "a maior economia do mundo" - está um jogo de interesses que enfraquece a posição da UE perante o país mais populoso do mundo, e se há coisa que é certa quanto à China é que nunca hesita em explorar ao máximo qualquer posição negocial vantajosa. Não é difícil perceber que tornando-se a China, e as suas gigantescas reservas de capital, um actor na sustentabilidade financeira da Europa, a probabilidade do Dalai Lama voltar a ser recebido por um líder europeu de primeira linha se reduz consideravelmente.

Quando o tempo e distanciamento permitirem aos historiadores analisar a relevância do momento que vivemos tenho sinceras dúvidas de que esta cimeira seja assinalada pela solução, incompleta e potencialmente instável, a que se chegou para tentar salvar a moeda única europeia. O que será assinalado, isso sim, será o momento em que os líderes do maior bloco comercial e económico do mundo assumiram claramente que a Europa está num caminho de perda, inexorável e inevitável, de poder e riqueza.

Os governantes chineses sabem, tal como os seus congéneres europeus, que uma recessão prolongada no seu principal parceiro comercial pode pôr em causa o crescimento da sua economia, e com este a estabilidade do País, mas ainda assim não deixa de ser extraordinária a forma como a Europa, ainda ontem o membro rico do clube, que há pouco mais de um século atrás dominava e explorava a China a seu bel prazer,  está hoje de mão estendida pedindo a ajuda chinesa, assumindo e aceitando a certeza da supremacia do Reino do Meio no remanescente do Século XXI.

Thursday, October 27, 2011

Life's (not) short and then you die

















Duas coisas prenderam a minha atenção esta manhã: a primeira foi uma notícia do Público de hoje, que revela que a partir do último dia deste mês deveremos ter ultrapassado a barreira dos 7.000 milhões de seres humanos a respirarem o ar deste o planeta, e que Portugal é o terceiro país do Mundo com menor taxa de fecundidade, ou seja nascem cada vez menos portugueses, e se a situação não mudar estaremos condenados a ser um País de velhos, com tudo o que isso implica, incluindo o pormenor não inteiramente despiciendo de não existirem jovens suficientes para sustentar algo que se assemelhe sequer a um Estado Social.

A outra coisa que me chamou a atenção foi, mal cheguei ao escritório, entre o spam característico da revisão matinal do e-mail ter-me surgido um anúncio, com uma simpática rapariga e um rapaz a olharem, muito sorridentes, um para o outro, de um serviço chamado "SecondLove.pt", que começa pelo apelativo headline "à procura de atenção extra?",  com um logotipo que coloca uma forma indefinida de cor branca no meio de dois corações vermelhos, rematado com a assinatura "a vida é curta, tem um second love", explicando ainda no body copy, para quem não tivesse porventura percebido do que se trata "à procura de romance porque em casa tudo virou rotina? Quebre a rotina e seja atrevido! A vida é tão curta....".

Apesar de preferir este anúncio a outros que reclamam uma capacidade infalível de influenciar o tamanho de certas partes da minha anatomia, ou que oferecem fortunas incalculáveis em troca de uma pequena transferência em dólares para uma viúva nigeriana, há algo que me incomoda neste anúncio para além do óbvio, ou seja do uso leviano da pontuação pelos seus autores, e da relativização das poucas coisas que me ensinaram em pequeno não serem relativas, como dizer a verdade e saber merecer a confiança que os outros tenham em nós.

O que me incomoda não é a existência do serviço, que como qualquer outra invenção humana apenas foi criado para satisfazer uma necessidade existente. O que me incomoda é a forma fácil como nos países ocidentais nos convertemos facilmente numa sociedade de hedonistas egocêntricos, em que nada é mais importante que a nossa satisfação pessoal, muitas vezes expressa, numa lógica difícil de contrariar, no nosso "direito" a sermos felizes, que torna tudo o resto secundário.

É por isso que não temos filhos; não é por falta de possibilidades, que a esmagadora maioria dos portugueses tem mais possibilidades e conforto material do que os seus pais ou avós, mas porque temos que pesar o crescimento da família, e os inconvenientes que lhe estão associados, com o espaço que resta para sermos "felizes"ou, dito de outra forma, para termos o que queremos.

E é por isso que, nesta ânsia de ter as suas vontades satisfeitas, de ter uma felicidade que assenta no que recebemos da vida, que muita gente, da minha geração e das seguintes, vai perceber, quando derem por si sozinhos a colher o que não semearam pela vida fora, que afinal, ao contrário do que dizem os senhores que vendem a emoção imediata de um "second love", a vida é bem menos curta do que parecia.

Tuesday, August 16, 2011

Governo MS Office















Era comum dizer-se há uns meses do Governo do PS, dirigido por Sócrates, que se tratava de uma "governação Powerpoint", construindo com base na aplicação da 'suite' Office da Microsoft, a mais utilizada por empresas e instituições para apresentar ideias e projectos, a analogia de uma acção governativa tão eficaz e cuidada na apresentação de propostas ou resultados como era incompetente na concretização de medidas concretas.

O problema central do consulado de Sócrates não foi, no entanto, o ênfase na forma relativamente ao vazio do conteúdo, mas antes outro, que também pode ser descrito com uma analogia envolvendo software corrente: é que das várias aplicações ao dispôr, a menos utilizada foi sem dúvida o Excel.


Friday, August 5, 2011

Os pioneiros em luta pela bandeirada


















Os taxistas de Hangzhou, uma cidade próxima de Shangai, com dois mil anos de uma história brilhante que a tornaram numa das pérolas de que a China se orgulha, onde os templos e pagodes convivem com algumas das zonas comerciais mais caras do País, estiveram três dias em greve. Os acontecimentos representam um teste à capacidade do Estado chinês de lidar com a pressão da inflação sobre os rendimentos da grande maioria da população (mas sobre isso escrevi sobre isto no meu outro blog, onde não limito os parágrafos).

Depois de terem começado por pedir o aumento da bandeirada, que há anos não é actualizada, apesar do preço dos combustíveis não parar de subir, os grevistas juntaram à sua lista de reinvidicações a formação de um sindicato e a atribuição de pensões de reforma. Mais do que os próprios acontecimentos, mais até do que o contexto que os rodeia, foi aqui que algo me chamou a atenção: é que tudo isto, incluindo os pedidos mais afoitos dos grevistas, foi relatado pela própria imprensa estatal chinesa, ou seja, mais do que a própria notícia, é a fonte que nos revela como a China está a mudar.

Alguns observadores apontam a posição ambivalente do governo central como sinal de desorientação, dizendo que Pequim não reage por não saber o que fazer em seguida. Eu prefiro recordar uma história: no final dos anos 70, quando um Deng Xiaoping em início de consulado se concentrava na reforma de uma agricultura devastada por uma década de Revolução Cultural, grupos de mulheres rurais de uma das regiões do litoral chinês começaram a dirigir-se semi-clandestinamente às cidades, para aí vender directamente à população os excedentes da renovada produção agrícola, numa actividade de comércio livre que era uma flagrante violação de um dos pilares doutrinários do comunismo, algo cuja simples sugestão uns anos antes seria implacavelmente reprimida.

Na ausência de sinais fortes de Pequim quanto ao que fazer perante esta situação nova, os governos regionais exerceram repressão, inicialmente moderada, depois mais dura, sobre as destemidas mulheres do campo.  Quando a situação atingia o seu ponto crítico, e se esperava a qualquer momento o término violento da aventura, Deng Xiaoping discursou em Pequim e, abordando o assunto pela primeira vez, mencionou-as directamente,  sem se refugiar nas figuras de estilo que a coerência ideológica aconselharia, como "pioneiras", apontando-as como modelo a seguir, um exemplo das virtudes de assumir a iniciativa. Pode-nos parecer pouco hoje, quando uma greve na China é noticiada livremente pela imprensa estatal, mas o elogio de um líder do PCC à livre iniciativa, tão esperado como seria hoje ouvir Papa tolerar o uso do preservativo, mudou, em poucas palavras, o rumo da China, abrindo caminho para reformas económicas que em última análise libertaram parte do tremendo poder empreendedor dos chineses dos constrangimentos do Estado. A partir daí, como se costuma dizer nestas ocasiões, foi a História que todos conhecemos.

Monday, June 6, 2011

O outro derrotado












Com um score que o obrigou a demitir-se do PS e a abandonar a política, pelo menos no curto prazo, Sócrates foi um dos grandes derrotados da noite, mas não esteve, tudo menos isso, sozinho, e o outro político que sofreu, nos seus termos, uma derrota tão ou mais pesada que a registada por Sócrates  chama-se Francisco Louçã.

Nascido da aliança de vários pequenos partidos e organizações (como a Política XXI) de esquerda, com os trotskistas do PSR de Louçã como antecedente mais visível, o Bloco de Esquerda conseguiu ao longo da última década captar o voto de alguma esquerda urbana, nomeadamente a que não se revê na mensagem do PS, e não consegue ignorar a sensação de anacronismo em que a linguagem e identidade do PCP inevitavelmente o envolvem, crescendo paulatinamente a partir daí.

Como não podia utilizar o léxico politico tradicional do marxismo, e a sua terminologia socio-económica -- porque não é viável num País europeu, no Século XXI dizer-se que se é contra a economia de mercado e se combate o capitalismo, nem falar abertamente de luta de classes -- o Bloco adoptou habilmente um discurso moral, que lhe permitiu posicionar-se como um partido acima do jogo de interesses da baixa política, no fundo substituindo a recusa em aceitar o capitalismo, que não pode admitir abertamente, pela sua moralização, ou seja o capitalismo passa a ser descrito subliminarmente como o mal que é preciso combater.

Esta estratégia tinha no entanto dois problemas: em primeiro lugar, se o Bloco alguma vez chegasse ao Governo, e fosse obrigado por força das circunstâncias a trabalhar dentro do mesmo sistema cuja legitimidade subliminarmente nega, a sua aura de superioridade moral não resistiria à prática de actos de governação.

O segundo problema é que a falta de uma identidade política clara, porque o que o Bloco construiu foi uma imagem, e não uma ideologia, obrigaria a total coerência para que o partido não fosse visto como um actor político igual aos outros. Ora no último ano, primeiro com o apoio a Manuel Alegre, e depois com a trapalhada da moção de censura, que o próprio Louçã admitiu ser uma jogada táctica, o Bloco não podia ter demonstrado de forma mais clara que é um partido igual aos outros, norteado antes de tudo pela conquista de votos.

Foi isto, somado ao efeito de quem neste momento difícil não quis votar em quem se opõe á única solução viável, que levou o Bloco a perder metade dos seus deputados, dando a Louçã a primeira, e maior, derrota do partido desde que este existe, e criando sérias dúvidas se o seu processo de crescimento não terá sido irremediavelmente comprometido.

Sunday, June 5, 2011

E depois do adeus














Para gáudio de boa parte da população e alívio de qualquer português informado que conhecesse a profundidade dos problemas que enfrentamos, bastaram as primeiras projecções eleitorais para confirmar a saída de cena de José Sócrates, que perdeu as eleições com estrondo, e um score abaixo dos trinta por cento que configurariam uma derrota honrosa.

Do lado dos vitoriosos,  a primeira meia hora após a divulgação dos resultados faz antever que a mensagem do centro-direita, nomeadamente do PSD -- que conseguiu o seu terceiro melhor score de sempre, a seguir às duas maiorias absolutas de Cavaco --  será a de que os portugueses "optaram pela mudança", o que em circunstâncias normais equivaleria a dizer que optaram pelas propostas e programas de Governo dos partidos em quem votaram.

Sucede que não vivemos, de todo, em circunstâncias normais, e o verdadeiro Programa de Governo, o elefante na sala que a campanha ostensivamente ignorou, foi assinado com os credores do País no passado mês de Maio, pelo que os portugueses optaram por mudar de pessoas, e não de projectos.

Para quem acha que os nossos problemas acabam com a saída do PS do Governo, esta é uma boa altura de lembrar o que de facto se assinala hoje: que Sócrates larga o poder, mas no preciso momento em que os problemas a sério vão efectivamente começar.