Monday, June 6, 2011
O outro derrotado
Com um score que o obrigou a demitir-se do PS e a abandonar a política, pelo menos no curto prazo, Sócrates foi um dos grandes derrotados da noite, mas não esteve, tudo menos isso, sozinho, e o outro político que sofreu, nos seus termos, uma derrota tão ou mais pesada que a registada por Sócrates chama-se Francisco Louçã.
Nascido da aliança de vários pequenos partidos e organizações (como a Política XXI) de esquerda, com os trotskistas do PSR de Louçã como antecedente mais visível, o Bloco de Esquerda conseguiu ao longo da última década captar o voto de alguma esquerda urbana, nomeadamente a que não se revê na mensagem do PS, e não consegue ignorar a sensação de anacronismo em que a linguagem e identidade do PCP inevitavelmente o envolvem, crescendo paulatinamente a partir daí.
Como não podia utilizar o léxico politico tradicional do marxismo, e a sua terminologia socio-económica -- porque não é viável num País europeu, no Século XXI dizer-se que se é contra a economia de mercado e se combate o capitalismo, nem falar abertamente de luta de classes -- o Bloco adoptou habilmente um discurso moral, que lhe permitiu posicionar-se como um partido acima do jogo de interesses da baixa política, no fundo substituindo a recusa em aceitar o capitalismo, que não pode admitir abertamente, pela sua moralização, ou seja o capitalismo passa a ser descrito subliminarmente como o mal que é preciso combater.
Esta estratégia tinha no entanto dois problemas: em primeiro lugar, se o Bloco alguma vez chegasse ao Governo, e fosse obrigado por força das circunstâncias a trabalhar dentro do mesmo sistema cuja legitimidade subliminarmente nega, a sua aura de superioridade moral não resistiria à prática de actos de governação.
O segundo problema é que a falta de uma identidade política clara, porque o que o Bloco construiu foi uma imagem, e não uma ideologia, obrigaria a total coerência para que o partido não fosse visto como um actor político igual aos outros. Ora no último ano, primeiro com o apoio a Manuel Alegre, e depois com a trapalhada da moção de censura, que o próprio Louçã admitiu ser uma jogada táctica, o Bloco não podia ter demonstrado de forma mais clara que é um partido igual aos outros, norteado antes de tudo pela conquista de votos.
Foi isto, somado ao efeito de quem neste momento difícil não quis votar em quem se opõe á única solução viável, que levou o Bloco a perder metade dos seus deputados, dando a Louçã a primeira, e maior, derrota do partido desde que este existe, e criando sérias dúvidas se o seu processo de crescimento não terá sido irremediavelmente comprometido.
Sunday, June 5, 2011
E depois do adeus
Para gáudio de boa parte da população e alívio de qualquer português informado que conhecesse a profundidade dos problemas que enfrentamos, bastaram as primeiras projecções eleitorais para confirmar a saída de cena de José Sócrates, que perdeu as eleições com estrondo, e um score abaixo dos trinta por cento que configurariam uma derrota honrosa.
Do lado dos vitoriosos, a primeira meia hora após a divulgação dos resultados faz antever que a mensagem do centro-direita, nomeadamente do PSD -- que conseguiu o seu terceiro melhor score de sempre, a seguir às duas maiorias absolutas de Cavaco -- será a de que os portugueses "optaram pela mudança", o que em circunstâncias normais equivaleria a dizer que optaram pelas propostas e programas de Governo dos partidos em quem votaram.
Sucede que não vivemos, de todo, em circunstâncias normais, e o verdadeiro Programa de Governo, o elefante na sala que a campanha ostensivamente ignorou, foi assinado com os credores do País no passado mês de Maio, pelo que os portugueses optaram por mudar de pessoas, e não de projectos.
Para quem acha que os nossos problemas acabam com a saída do PS do Governo, esta é uma boa altura de lembrar o que de facto se assinala hoje: que Sócrates larga o poder, mas no preciso momento em que os problemas a sério vão efectivamente começar.
Wednesday, June 1, 2011
Revolucionários de barriga cheia
Não tenho nada contra os jovens acampados, em protesto de inspiração espanhola, que se manifestam em várias cidades europeias, incluindo um acampamento no Rossio, em Lisboa, até porque por norma não antipatizo com a contestação ao sistema, concorde ou não com as ideias que lhe sirvam de base.
Dito isto, incomodam-me a ignorância e presunção, tanto nos auto-nomeados porta vozes destes movimentos como nos media, que falam de um Verão Espanhol, na sequência da Primavera Árabe que levou ao tão imprevisível quanto irreversível queda de ditadores há muito estabelecidos na Tunísia e Egipto, e à ocorrência de problemas na península arábica, na Líbia e na Síria.
Quem tenha acompanhado os relatos da insurgência popular árabe enquanto ela aconteceu não pôde deixar de assinalar, como de resto a própria imprensa fez, a grande coragem física demonstrada por aquelas populações, que enfrentaram todos os dias, dia após dia, a perspectiva de prisão, tortura ou morte para se manifestarem na rua, pedindo o derrube dos regimes que os oprimiam, sendo que nos casos da Siria e da Libia continuam a chegar até nós relatos que fazem supor um cenário ainda pior do que o verificado no Egipto ou na Tunisia.
Os árabes não se revoltaram por mais representatividade, revoltaram-se por não terem nenhuma. Assim, não consigo evitar uma sensação de desconforto quando vejo uma geração de manifestantes que, por mais legítimas que sejam as suas reivindicações, nunca passaram grande fome ou frio, nem muito menos foram presos ou torturados, e para quem dificuldade é ter pouco recheio para as suas mortalhas, falarem dos seus "irmãos árabes".
Para usar uma expressão muito em voga no Portugal dos anos 70, no caso apontando a incongruência de como alguns dos mais destacados comunistas eram no fundo dos membros economicamente mais favorecidos na sociedade, quando penso na rapaziada que acampou no Rossio só consigo lembrar-me de uma expressão: são revolucionários de barriga cheia.
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