Thursday, May 5, 2011
Sócrates e o Programa de Governo... do FMI
Ao ler o memorando — irónica designação para um denso documento de 34 páginas — de entendimento entre o Governo português e a Troika, que o Primeiro Ministro se prepara para assinar com a anuência dos principais partidos da oposição, há duas coisas em que é impossível não reparar.
A primeira é que o documento da Troika é, de facto, um Programa de Governo, mais detalhado, aprofundado e objectivo do que os programas que qualquer dos partidos com aspirações governativas foi capaz de apresentar em democracia. Mesmo descontando os constrangimentos que naturalmente não tem quem não se submete ao veredicto das urnas, e mesmo tendo em conta que o Governo foi obrigado a fornecer às entidades internacionais mais e melhor informação do que normalmente forneceria à Oposição, devia fazer-nos pensar como só em circunstâncias destas é possível ter um plano de acção com objectivos claros e quantificados, por oposição às habituais generalidades pré-eleitorais avessas a compromissos.
A segunda é que, tratando-se de um Programa de Governo para os próximos 3 anos, ainda que dispondo de margem de manobra quanto à forma concreta de atingir alguns dos objectivos, o próximo Executivo terá de facto que governar de acordo com os ditames da Troika e, mais importante, sujeito à avaliação trimestral do bom andamento das medidas para ir recebendo as várias tranches do empréstimo agora acordado.
É assim irónico, para não dizer outra coisa, ver um primeiro ministro, o mesmo que afirmou categoricamente que não contassem com ele para governar com o FMI, esforçar-se agora tanto para valorizar o seu papel no processo negocial, e até as semelhanças do programa de reformas que nos foi imposto com o infame PEC4, no fundo defendendo e tentando reclamar parte da autoria do Programa de Governo... do FMI.
Tuesday, May 3, 2011
Do contra
Nestes tempos agitados, se auscultarmos o português médio sobre qualquer assunto que diga respeito à vida pública, seja na política ou na economia, ele dirá, de uma forma ou de outra, que está contra.
Está contra os políticos que não fazem nada de útil pelo País, como está contra a mera sugestão que haja um único dirigente político em Portugal que sirva para alguma coisa que não seja para se servir a si mesmo. Está contra os administradores de empresas públicas que ganham muito dinheiro, ou melhor vistas as coisas está contra qualquer pessoa que ganhe muito dinheiro, seja de que forma fôr, mesmo que seja numa empresa privada com a qual o Estado não tem nada a ver, porque só se pode estar contra quem ganhe demais, ou dito de outra forma quem ganhe muito mais que nós.
Está contra a entrada do FMI a Portugal, porque nos vai obrigar a sacrifícios, com também estava contra os políticos que manifestamente não conseguiam resolver o problema sem o FMI, nem tomar as decisões difíceis que se exigiam, e que implicavam obrigatoriamente sacrifícios.
Está contra os gastos excessivos do Estado, aliás está contra todos os gastos do Estado, nem que seja o casamento do herdeiro da Coroa de outro País, e portanto de outro Estado, porque o País está a passar por um momento difícil e não é altura de gastos, tirando naturalmente subsidiar a Saúde, os transportes, os recém-desempregados com vinte e cinco anos, as portagens da SCUT mais próxima ou o clube de futebol da nossa preferência, porque só se pode estar contra pagar mais por coisas que o Estado devia oferecer-nos em troca dos nossos impostos, e se há tanto desperdício em coisas inúteis não faz sentido não nos darem também tudo o que precisamos.
Nada disto é novo, porque a melhor forma de pôr os portugueses de acordo entre si sempre foi contra alguma coisa. Sucede que, por mais que digamos o contrário, e questionemos o sistema político e económico que temos, nunca ninguém reformou um País com base naquilo a que se opõe, pelo que se queremos que Portugal ultrapasse esta situação teremos inevitavelmente que nos pôr de acordo, mas desta vez, e nem que seja só desta vez, quanto àquilo a que somos favoráveis.
Monday, May 2, 2011
O ícone do terror
No meio de especulações causadas pela ausência do corpo, ou até de fotografias do cadáver, o presidente dos EUA anunciou hoje a morte de Osama Bin Laden. A notícia mereceu naturalmente o destaque dos media a nível mundial e os americanos não se coibiram de festejar, pública e exuberantemente, o cumprimento da ameaça velada de George W. Bush, em Setembro de 2001, quando ao falar do que o Estado americano pretendia fazer para encontrar os culpados do atentado ao World Trade Center referiu de forma pouco subtil os cartazes "wanted, dead or alive" que costumavam existir no Velho Oeste americano.
Mais do que o líder de uma organização terrorista, a história recordará Osama como o primeiro — naturalmente se excluirmos o terror patrocinado por Estados, onde a galeria é longa e repleta de personagens ilustres — e maior ícone global do Terror. Vendo o impacto das suas acções e o alcance da sua mensagem amplificados pela era da internet e da comunicação instantânea, o aristocrata saudita que numa década passou de Mujahideen que combatia os soviéticos no Afeganistão com apoio norte-americano a maior inimigo declarado dos EUA, tornou-se o primeiro terrorista a ter o rosto reconhecido instantaneamente em qualquer lugar do Mundo.
A forma como os regimes autoritários que governam a maioria do mundo árabe parecem prestes a ser atingidos pela força irresitível dos ventos da História, e como as populações desses Países parecem ter tomado consciência que podem ser donas do seu destino, reduziu claramente o apelo de Bin Laden, tirando sustentação ao discurso islamista e anti-americano da Al Qaeda. Com o tempo, o outrora temível Osama iria tranquilamente ocupar o seu lugar nas prateleiras mais distantes e poeirentas, tanto da História como das nossas memórias, símbolo de um passado distante num mundo que já não justifica a sua existência. Com a morte prematura, ainda por cima ocorrida em circunstâncias pouco claras, que certamente contribuirão para alimentar o mito, Osama Bin Laden conseguiu ontem a sua última vitória: a imortalidade.
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